Os doutores Marcelo Pertence, ministro do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais, e Magnus Farkatt, advogado da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), trataram do tema “A contrarreforma trabalhista: limites e possibilidades jurídicas” no Consind da Contee, dia 30. Foram unânimes em denunciar o prejuízo aos trabalhadores e favorecimento dos empresários constantes na reforma e apontaram caminhos políticos e jurídicos para contestá-la.
Pertence historiou o surgimento do Direito do Trabalho a partir da Revolução Industrial, como consequência da luta dos operários para resistir às máquinas que os mutilavam e à superexploração sem limites legais ou humanos de que eram vítimas. “Num primeiro momento, eles sabotaram e quebraram as máquinas, mas elas eram consertadas ou trocadas. Aí perceberam que o grande problema é o dono das máquinas, o dono dos meios de produção. Começa a surgir uma consciência de classe, contra a dominação da minoria sobre a maioria. O Direito do Trabalho surge como uma almofada para arrefecer essa luta. Em 1917, surgiu a Organização Internacional do Trabalho (OIT), que atuou para distinguir o desequilíbrio existente entre o detentor do meio de produção e o que dispõe apenas da própria força de trabalho. Assim, o Direito do Trabalho surgiu como uma legislação de proteção do lado mais frágil nessa relação”, relatou.
Brasil
Referindo-se ao Brasil, lembrou que, 100 anos após a Revolução Industrial, aqui ainda havia a escravidão, “o que foi determinante para dotar a elite brasileira de uma formação e pensamento escravocrata, que se mantém até hoje. A Primeira Guerra Mundial acelerou o processo de industrialização no Brasil, ampliando a nossa classe operária, mas só com a Revolução de 1930 se muda a qualidade de tratamento do trabalhador. É quando surgem os sindicatos como órgãos de colaboração do Estado (antes, na maioria, eram anarquistas), vinculados ao Ministério do Trabalho, então criado. Com isso, o Estado tinha o direito de intervenção nas entidades, o que foi muito utilizado pela Ditadura Militar de 1964. A Justiça do Trabalho surgiu, sem vinculação ao Ministério do Trabalho, somente em 1941, para intermediar o conflito entre trabalhadores e empregadores urbanos. A Justiça privilegiava o individual em relação ao coletivo. A Constituição de 1988 trouxe boa parte da legislação trabalhista para a Carta Magna”.
O magistrado protestou: “A reforma vai ao contrário de tudo isso. Deixa o trabalhador desamparado diante do empresário. Nem na Ditadura Militar a negociação coletiva prevalecia sobre a negociação individual. A Justiça do Trabalho passou a ser taxada de paternalista, o Direito do Trabalho considerado intervencionista e contrário à liberdade do mercado. A reforma é perversa, restringindo a ação do Tribunal do Trabalho e retirando os acordos coletivos da jurisdição trabalhista”.
Lembrando que o Supremo Tribunal Federal (STF) pode arguir sobre a inconstitucionalidade da reforma, ele alertou que “suas decisões podem ser contrárias aos trabalhadores. Por isso é melhor fazer a sua contestação a partir das primeiras instâncias, e não do STF”.
Falsos argumentos embasam a reforma
O advogado da CTB informou que a reforma alterou mais de 100 artigos e mais de 200 dispositivos trabalhistas. E listou vários pontos que prejudicam os trabalhadores e seus sindicatos. A prevalência do negociado sobre o legislado, “coração da reforma”, disse, possibilita reduzir direitos para patamares inferiores ao da lei. Isso num contexto de 13 milhões de desempregados e de adversidade para os trabalhadores.
Acordos e convenções coletivas
A prevalência de acordos coletivos sobre as convenções coletivas poderá romper com as normas ou condições mais benéficas conquistadas pelos trabalhadores. Privilegia a negociação por empresa, em detrimento da negociação por setor. A reforma abre a possibilidade de acordos individuais se sobreporem à legislação, aos acordos e às convenções coletivas para detentores de diploma superior que ganhem mais de R$ 11 mil. Cria o precedente para estender essa possibilidade a todos os trabalhadores.
Dispensa individual e coletiva
Equipara a dispensa coletiva à dispensa individual – antes, a dispensa coletiva devia ser justificada junto ao sindicato da categoria e apresentando medidas alternativas, como férias coletivas ou uma compensação financeira. Autoriza as mulheres lactentes e lactantes a trabalhar em atividades insalubres, desde que tenham atestado médico liberando-as, e o atestado pode ser dado pelo médico da própria empresa.
Comissões de empresa
As comissões de empresa, como criadas pela reforma, instituem um órgão concorrencial aos sindicatos e subtraem suas funções. Sua lógica é criar sindicato por empresa e esvaziar a entidade no âmbito da categoria. É concebida para que a comissão tenha autonomia em relação ao sindicato. Quanto à sustentação financeira, estabelece o imposto ou contribuição sindical facultativa, com o objetivo de enfraquecer a estrutura material das entidades, através da queda de arrecadação. Pretende asfixiar o movimento sindical.
Limites à justiça do trabalho
A reforma impõe limitação à Justiça do Trabalho, vedando-lhe a criação de direitos e obrigações aos empregadores. Limita o poder normativo do Judiciário de conceder direitos a partir dos princípios da equidade.
Terceirização
A autorização de terceirizar a atividade fim de uma empresa permite, por exemplo, que um estabelecimento de ensino privado contrate uma empresa para fornecer professores que ministrem aulas. O empregado terceirizado recebe em média 25% do salário de um professor contratado pelo estabelecimento. Pesquisas também indicam que 80% dos acidentes de trabalho ocorrem com terceirizados. As empresas terceirizadas têm vida útil menor, vão à falência com mais frequência e os direitos de seus funcionários acabam não sendo honrados. Com a terceirização total, haverá poucos funcionários na empresa mãe e a maioria deles será pulverizada em várias empresas terceirizadas.
Resistência
Para Farkatt, o movimento sindical deve resistir “arguindo inconstitucionalidade de vários dispositivos da reforma na primeira, segunda e terceira instância da Justiça do Trabalho. Deve denunciar nos fóruns internacionais a quebra de suas normas, que são subscritas pelo nosso país. A OIT já manifestou que a reforma viola três de suas convenções, assinadas pelo Brasil, sobre negociação coletiva. A Convenção 135 da OIT, por exemplo, diz que organizações por local de trabalho devem ter vínculo com as entidades sindicais dos trabalhadores daquela empresa – nos acordos e convenções coletivas, os sindicatos devem incluir sua participação na formação das comissões de empresa”.
Por fim, destacou que os sindicalistas não devem “perder de vista a atuação e mobilização política para pressionar o Congresso e o Executivo no sentido de recompor os direitos trabalhistas e garantir a eleições de representantes de seus interesses no próximo pleito. Temos que tomar as ruas e manter acesa nossa mobilização. A luta de classes não começou e não vai terminar com a reforma trabalhista. É possível resistir, é necessário avançar nas nossas conquistas”.
Em seguida houve manifestação e perguntas da plenária.
Fonte: Carlos Pompe, da Contee
Fotos: Carlos Roberto dos Passos