Está no ar o quarto artigo da série sobre sindicalismo, desta vez focando na educação. Confira:
Os professores chegaram ao Brasil em 1549 — os jesuítas trazidos pela armada de Tomé de Souza, que aqui iniciaram a catequese dos índios e ministrarram aulas aos colonizadores interessados. Eles fundaram cidades e colégios ao longo do litoral. Antes de sua chegada, os povos caçadores e coletores que habitavam o que é hoje o Brasil não tinham evoluído a uma divisão do trabalho que carecesse de pessoas dedicadas exclusivamente ao ensino, à transmissão do conhecimento adquirido. Quando foram expulsos, em 1759, eram 670 jesuítas por toda a colônia, distribuídos em aldeias, missões, colégios e seminários.
Por longo tempo, a educação escolar na colônia portuguesa da América do Sul ficou por conta dos religiosos e a relação entre os professores e seus mantenedores era estabelecida pela Igreja e suas tratativas com a organização colonial. Só após a Independência e a Constituição de 1824 apareceu o primeiro esboço de uma política educacional no Brasil. Ela já contemplava o princípio da gratuidade, mas era exclusiva apenas aos cidadãos livres, barrando o acesso de escravos, indígenas e mulheres (antes, as mulheres recebiam aulas de forma sistemática quando ingressaram nos conventos e casas de recolhimentos femininas, que aqui se instalaram a partir de 1720. Aprendiam normas religiosas, ler, escrever e noções de matemática, mas viviam confinadas).
“A primeira instituição de preparação de professores no Brasil foi instalada a partir de 1820, baseado num ensino mútuo através do método Lancaster: ensino caracterizado pela falta de contato entre aluno e professor. Este instruía um monitor para atender aos alunos da classe. Ao mesmo tempo em que o aluno atuava como monitor, era treinado para o ofício de mestre”, informa a professora Madalena Guasco Peixoto, coordenadora da Secretaria-Geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino — Contee.
Um Decreto-Lei Imperial de 1827 inaugurou a descentralização da responsabilidade pela oferta da educação para as províncias e regulamentou um conjunto de condições de remuneração e contratação dos professores públicos. Em 4 de abril de 1835 foi fundado o Instituto de Educação Professor Esmael Coutinho, em Niterói, no estado do Rio de Janeiro. A princípio, todos que a frequentavam eram do sexo masculino. Teve início, assim, a formação específica para professores até hoje existente. “Até o século XIX, o corpo docente, em sua grande maioria, era formado por professores homens, pois acreditava-se que as mulheres não eram capazes de desenvolver esse trabalho. Ao longo da segunda metade deste século, houve uma crescente saída dos homens do ofício de professor devido a ampliação das oportunidades de formação e de trabalho nas indústrias e o advento da expansão do capitalismo”, relata Madalena. Pela lei, as meninas podiam ser admitidas nas escolas, mas não aprendiam todas as matérias ensinadas aos meninos, principalmente as consideradas mais racionais como a geometria e, em compensação, deveriam aprender as “artes do lar”, as prendas domésticas.
Sobre uma profissão que, na atualidade, é majoritariamente feminina, uma curiosidade. Maria Inês Sucupira Stamatto, em Um olhar na história: a mulher na escola (Brasil: 1549-1910), informa “a contratação da primeira professora da província de São Paulo, Benedita da Trindade e Lado de Cristo. Passou no concurso estipulado pela legislação vigente, foi verificado se vivia com ‘honestidade e bom comportamento público’, recebeu a provisão régia para assumir em 29 de abril de 1828, e, para espanto de todos, não ensinava prendas domésticas às meninas em suas aulas. Foi interpelada pelas autoridades, mas continuou até aposentar-se sem preparar as meninas para os afazeres domésticos”.
As primeiras entidades representativas dos docentes começaram a nascer no final do Segundo Império: Sociedade Literária Beneficente Instituto dos Professores Públicos da Corte (1874-1875), Caixa Beneficente da Corporação Docente do Rio de Janeiro (1875), Associação dos Professores Públicos da Corte (1877), Grêmio dos Professores Primários de Pernambuco (1879) e Grêmio dos Professores Públicos Primários da Corte (1881).
Com o fim da escravidão, as relações econômicas capitalistas se espalharam pelo país. O ensino e os professores foram a elas incorporados. Como observou Karl Marx, em O Capital, “um mestre-escola é um trabalhador produtivo se ele não apenas trabalha as cabeças das crianças, mas extenua a si mesmo para enriquecer o empresário. O fato de que este último tenha investido seu capital numa fábrica de ensinar, em vez de numa fábrica de salsichas, não altera nada na relação”.
Após a República e a Constituição de 1891, surgiram associações de docentes também em São Paulo e no Paraná e ocorreram duas tentativas de efetivar uma organização nacional de professores. Além das questões econômicas e sociais, professores, educadores e outros profissionais liberais também abordavam a questão educacional. Ao longo dos anos 1920, diversas reformas estaduais foram praticadas, sob a liderança de educadores que, em 1924, reuniriam-se na Associação Brasileira de Educação — ABE. A entidade atuou nas conferências nacionais de educação e lançou o Manifesto dos Pioneiros, em 1932. Nos anos 1930 e 1940 surgiram entidades de professores primários e secundários em diversos estados.
Desde a década de 1950, o Dia do Professor ganhou caráter de disputa pela valorização da profissão. Em 1958, professores que lecionavam em escolas de responsabilidade federal realizaram paralisação de dois dias em São Paulo. No ano seguinte, parte do magistério particular entrou em greve na capital paulista. Em 1960 foi criada a Confederação dos Professores Primários do Brasil (CPPB). Em 1963, foi deflagrada a primeira greve da categoria em São Paulo.
O golpe de 1964 feriu as organizações populares e sindicais, os partidos políticos e a democracia. O regime militar ampliou o processo de descentralização, que atingiu o nível municipal de oferta de ensino. Houve crescimento exponencial da oferta de matrículas e um impulso na profissionalização do magistério. Por outro lado, ocorreu a incorporação de um número elevado de leigos no sistema de ensino. A resposta dos trabalhadores do setor foi a luta pela valorização profissional, mesmo sob o terror militar. Cresceu a atividade corporativa, que resultou nas greves de finais dos anos 1970 e início dos 1980. As associações de professores do ensino público, que eram proibidas de se organizar em sindicato, assumiram um caráter de representação de interesses, dando origem, após a Constituição de 1988, a entidades propriamente sindicais.
Em 1990, surgiu a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), representando os profissionais da rede pública. No mesmo ano, em novembro, um conjunto de entidades sindicais de trabalhadores e trabalhadoras em estabelecimentos de ensino fundou a Contee, congregando duas categorias: professores e técnicos administrativos.
A Contee abraçou a defesa do ensino público e de qualidade socialmente referenciada, a luta pela regulamentação do setor privado de ensino e melhoria das condições salariais e de trabalho como elementos estratégicos das suas futuras lutas. É a maior entidade que congrega trabalhadores(as) em educação do setor privado. Congrega 88 sindicatos e dez federações de professores(as) e técnicos(as) administrativos(as) do setor privado de ensino, da educação infantil à superior — representando atualmente cerca de 1 milhão de trabalhadores(as).
No trabalho “Sindicalismo docente e política educacional: tensões e composições de interesses corporativos e qualidade da educação”, Andréa Barbosa Gouveia e Marcos Alexandre dos Santos Ferraz destacam “algumas características que se tornaram estruturantes da ação política de professores: 1) a coexistência entre ações corporativas e ações de disputa sobre os rumos da política educacional; 2) a coexistência entre associações de caráter trabalhista e entidades associativas sobre a temática educacional, por exemplo, a convivência entre a CPPB e a ABE, ou mais recentemente a CNTE, o Fórum Nacional de Defesa da Escola Pública e a Campanha Nacional pelo Direito à Educação; e 3) a diversidade das entidades de representação, fruto tanto da descentralização do Sistema de Ensino quanto do período e das peculiaridades regionais em que foram fundadas”.
Soma-se a isso a combatividade de profissionais que, para além dos interesses corporativos, incorporam em suas jornadas os desafios da construção do próprio país, o aprendizado e a luta pela construção de uma sociedade mais justa e solidária.
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Fonte: Contee, por Carlos Pompe