Em meio à tantas notícias ruins e trágicas, vem do Sul de Minas uma que se destaca pela relevância e positividade. A Justiça do Trabalho considerou ilegal a conduta da Rede Cnec (Campanha Nacional de Escolas da Comunidade), que reduziu em quase 50% os salários dos trabalhadores, sem acordo coletivo de trabalho e sem observar os parâmetros determinados pela MP (Medida Provisória) 936/20, que fora convertida na Lei 14.020/20, que instituiu o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda.
A Rede Cnec atua em todo o território nacional, e abrange desde o ensino básico até o superior. No caso, a ação foi proposta pelo Saae Sul (Sindicato dos Auxiliares de Administração Escolar da Região Sul do Estado de Minas), no juízo da 1ª Vara do Trabalho de Varginha-MG.
Na sentença do juiz Henoc Piva foi ressaltado que o procedimento da rede de ensino ofendeu o princípio constitucional da irredutibilidade salarial, assim como o artigo 468 da CLT, que veda a alteração lesiva dos contratos de trabalho.
Sentença
A Rede Cnec foi condenada a efetuar a recomposição dos salários dos empregados substituídos na ação pelo Saae Sul e a pagar a cada trabalhador as diferenças salariais, parcelas vencidas e a vencer, a partir de março de 2020 até a efetiva recomposição, respeitadas as condições estabelecidas nas convenções coletivas.
Também foram deferidos os reflexos das diferenças salariais em férias, 13º salários, FGTS, indenização de 40% sobre o FGTS e aviso-prévio, observada a situação de cada substituído.
Houve recurso, mas a sentença foi mantida, por unanimidade, pelos julgadores da Sétima Turma do TRT mineiro. Foi interposto recurso de revista (para revisão da decisão), cujo seguimento foi negado.
Entenda o caso
O Saae Sul (MG) relatou que os empregados que prestam serviços nas unidades da rede educacional tiveram os salários reduzidos em cerca de 50%, a partir março de 2020, sem que houvesse negociação coletiva, com a participação do Sindicato, o que ofende ao artigo 468 da CLT, e, ainda, sem que fossem observadas as regras estabelecidas na Lei 14.020/20.
Com esses argumentos, o Saae Sul se insurgiu contra a ilegalidade da redução salarial, com a condenação da Rede Cnec a providenciar a imediata recomposição dos salários mensais dos empregados que atuam na administração escolar e que prestam serviços na base territorial do Sindicato, assim como pagar as diferenças salariais devidas.
O conteúdo da defesa não deixou dúvida sobre a ocorrência da redução salarial sofrida pelos auxiliares de administração escolar.
‘Acordos individuais celebrados de forma conjunta/coletiva’
O magistrado ressaltou que vigora, no ordenamento constitucional brasileiro, o princípio da irredutibilidade salarial (artigo 7°, VI, CF), que, aliado ao princípio da proteção, estabelece que somente é possível negociar eventuais reduções salariais de forma coletiva, por meio de convenção ou acordo coletivo de trabalho, e não individualmente como feito.
O juiz asseverou que a Constituição previu as negociações coletivas como forma de garantir ao trabalhador a melhoria da sua condição social (artigo 7° “caput” e XXVI, CF).
Observou ainda que os chamados “Acordos Coletivos de Trabalho” apresentados pela Cnec, firmados entre a rede e os trabalhadores da Faculdade em Varginha, nada mais são do que “acordos individuais celebrados de forma conjunta/coletiva”.
O magistrado ressaltou, nos termos do artigo 611, parágrafo 1° da CLT, o legítimo acordo coletivo de trabalho é aquele em que o sindicato representativo da categoria profissional celebra “com uma ou mais empresas da correspondente categoria econômica, que estipulem condições de trabalho”.
Obrigatoriedade da participação do Sindicato
Na sentença, foi pontuado que a Constituição prevê, de forma expressa, a obrigatoriedade da participação do Sindicato nas negociações coletivas (artigo 8°, item VI) e que, dessa forma, a Cnec desrespeitou o preceito legal e constitucional de participação obrigatória do Saae Sul, ao pactuar acordos individuais com os empregados para redução do valor dos salários.
O julgador ponderou ainda que a Lei 14.020/20 que instituiu o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, abriu a possibilidade de se reduzir proporcionalmente a jornada de trabalho e o salário, bem como de suspender temporariamente os efeitos do contrato de trabalho, tudo por meio de “convenção coletiva de trabalho, acordo coletivo de trabalho ou acordo individual escrito entre empregador e empregado”.
O juiz lembrou também que o plenário do STF (Supremo Tribunal Federal), ao se manifestar sobre a constitucionalidade da MP 936/20, na ADI 6363, decidiu negar medida cautelar de suspensão dos efeitos da MP, razão pela qual permaneceram em vigor as flexibilizações da lei trabalhista trazidas pela medida.
Ilegalidades
Conforme foi apurado, a Rede Cnec não reduziu proporcionalmente a jornada dos empregados, mantendo-os trabalhando em jornada normal, mas com os salários reduzidos, descumprindo os requisitos estabelecidos na legislação mencionada.
Assim, em decorrência dessa ilegalidade, os trabalhadores não puderam contar com o recebimento do “Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda” oferecido pelo governo federal.
“Com efeito, a prova dos autos demonstra que a ré afrontou os limites do jus variandi, ao promover a alteração contratual lesiva, resultando manifesto prejuízo direto aos trabalhadores, em afronta ao disposto artigo 468 da CLT”, destacou o juiz Henoc Piva.
Afrontas à legislação
Segundo Piva, a Rede Cnec então extrapolou os limites do poder diretivo, afrontando os princípios da irredutibilidade salarial (artigo 7º, VI CF/88), da vedação à alteração contratual lesiva (artigo 468 da CLT) e da boa-fé contratual objetiva (artigo 422 do Código Civil).
Ele, portanto, concluiu que o acordo firmado entre a rede de ensino e os empregados é nulo de pleno direito e reconheceu a ilegalidade da redução salarial.
O número do processo é: PJe: 0010566-58.2020.5.03.0079 e pode ser acessado digitando-o por aqui – https://portal.trt3.jus.br/internet/@@trt3-case-search.
Fonte: Contee, por Marcos Verlaine