A necessidade de uma reforma no Ensino Médio é praticamente um consenso entre especialistas e educadores, mas um dos pontos mais criticados do atual processo foi o fato de ter sido feita por meio de uma Medida Provisória, o que implica caráter de urgência para aprovação e implantação, limitando a possibilidade de debate sobre as mudanças que afetarão todos os estudantes do país.
A senadora Fátima Bezerra (PT-RN) comparou, durante a votação, a atual reforma promovida pelo governo de Michel Temer com a reforma educacional promovida em 1971 pelo regime da ditadura militar. Segundo a senadora, o governo militar fez a reforma sem debates, impondo a reformulação. Ela registrou que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, já havia dado parecer apontando falhas na proposta. Segundo a senadora, Janot argumentou que medida provisória não é o instrumento adequado para implantar mudanças estruturais em políticas públicas.
O mesmo argumento foi dado pela Contee em nota pública divulgada em outubro do ano passado. Nela, a Confederação enfatizou que a necessidade da reforma do ensino médio é tema de longa data, no sentido de qualificar o ensino, ampliar o acesso e melhorar as condições de trabalho. Não é o que faz, no entanto, o texto aprovado pelo Senado, que impõe uma reforma no setor sem qualquer diálogo com a comunidade escolar e a sociedade civil organizada. O que o move, ao contrário, é realmente uma voracidade semelhante àquela com que a ditadura militar avançou predatoriamente sobre a educação pública a fim de devorar a formação do pensamento crítico.
A discussão dos itinerários formativos, por exemplo, já havia sido superada duas décadas atrás com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), na qual foi muito discutida e aprovada a importância de uma formação única, propedêutica, ou seja, com cursos introdutórios de cada disciplina nas diferentes áreas de conhecimento para todos. A mudança introduzida pela atual reforma, entretanto, contraria princípios da LDB para o ensino médio, como a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos, e a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina.
Se por um lado o estudante terá a possibilidade de estudar temas com que tenha maior afinidade, por outro, a oferta da formação técnica profissional como uma das cinco possíveis escolhas gera outra preocupação. “Isso vai confirmar algo que na história educacional do Brasil é muito recorrente, que é o que chamamos de dupla rede, a do homo sapiens e homo saber”, comenta Carlos Roberto Jamil Cury, especialista em legislação educacional. “A LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que define e regulariza a organização da educação brasileira) diz que o Ensino Médio é responsável pela formação completa do cidadão. Agora, [com essas mudanças] você está cortando a maçã pelo meio, entre quem terá formação operária e quem terá a formação intelectual”.
A própria nota divulgada pela Secretaria de Comunicação da Presidência logo após a aprovação da MP pelo Senado, deixa isso claro. Veja: “A reforma do ensino médio será instrumento fundamental para a melhoria do ensino no país. Ao propor a flexibilização da grade curricular, o novo modelo permitirá maior diálogo com os jovens, que poderão adaptar-se segundo inclinações e necessidades pessoais. Com isso, o ensino médio aproximará ainda mais a escola do setor produtivo à luz das novas demandas profissionais do mercado de trabalho. E, sobretudo, permitirá a cada aluna e aluno que siga o caminho de suas vocações e sonhos profissionais”, diz a nota.
Você pode ler a nota na íntegra aqui.
Com a Contee já reiterou ao longo da tramitação do projeto, reformas na educação são complexas e exigem muito debate e construção, sendo, portanto, inadmissível que se faça uma reforma educacional via medida provisória, um mecanismo caracterizado pela pressa, pelo imediatismo e pela falta de abertura ao diálogo. Mais uma vez, o que o governo Temer e as forças antidemocráticas do Congresso Nacional fazem, contrariando o papel de zelar pelo bem comum que deveria ser exercido pelos poderes Executivo e Legislativo, é tentar destruir a garantia de uma educação pública, gratuita, inclusiva, de qualidade e socialmente referenciada.
Fonte: Sinproeste com Contee e El País