Samuel da Silva Antunes, advogado da Confederação Nacional de Trabalhadores em Turismo e Hospitalidade (CONTRATUH), analisou para A Rel um dos pontos mais nocivos da reforma trabalhista: o trabalho intermitente.
-A CONTRATUH vem lutando há muitos anos contra a modalidade de trabalho intermitente do McDonald´s.
-Exato. Durante mais de 20 anos lutou-se contra este sistema de contratação onde um trabalhador ou trabalhadora fica à disposição do empregador todo o tempo que ele quiser.
O trabalhador/a recebe remuneração apenas pelas horas trabalhadas, independentemente do tempo que passar na empresa, já que seus serviços são requeridos apenas nos horários de pico.
Com isso, os funcionários passam o dia inteiro à disposição do empregador, sem poder desenvolver nenhum outro tipo de atividade fora da empresa.
Chegam a trabalhar das 8h às 10h, depois voltam às 12h e ficam até às 14h, retornando novamente às 19h, saindo de lá às 21h. Passam o dia inteiro na empresa, e recebem apenas por 6 horas.
Diante deste abuso, desde 1995 foram feitas inúmeras denúncias aos organismos competentes – Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério Público do Trabalho (MPT) – até denúncias no Congresso.
Tudo terminou com uma ação pública levada adiante pelo MPT e acompanhada pela CONTRATUH. Foi assim que a McDonald´s foi multada de forma milionária e obrigada a não utilizar mais este sistema de contratação.
-O que acontecerá agora que a reforma trabalhista, aprovada no mês passado, legalizou o trabalho intermitente?
-O trabalho intermitente não é outra coisa que a jornada móvel e variável aplicada durante anos pela McDonald´s.
Tanto é assim que nos corredores do Congresso Nacional esta emenda de reforma foi apelidada de “emenda McDonald’s” e não tenho dúvidas que esta empresa fez um lobby fortíssimo para incluírem na nova legislação esta modalidade de trabalho.
Durante os últimos processos contra a McDonald´s, esta empresa tentou dilatar ao máximo a negociação, porque já sabia que esta lei iria ser aprovada.
Se por um lado, com esta reforma a empresa estará habilitada a voltar a aplicar a jornada móvel, não serão anuladas as sentenças e as multas aplicadas anteriormente.
Quando o intermitente se torna permanente
A McDonaldização do trabalho
-Trabalho intermitente e maior precariedade…
-Com certeza, os trabalhadores e as trabalhadoras passarão a viver uma situação de maior vulnerabilidade.
-Esta modalidade é uma afronta à dignidade das pessoas…
-Obviamente, pois estar esperando em um lugar para que seja contratado por umas poucas horas é uma situação humilhante. Com este procedimento, muitos trabalhadores e trabalhadoras não chegam a receber nem um salário mínimo.
Até porque o trabalho intermitente pressupõe uma redução salarial, por conseguinte uma redução das aposentadorias e de todos aqueles benefícios gerados a partir do salário.
-Isto afetará os sindicatos?
-Pela tangente sim, porque com este sistema de contratação o empregador poderá passar até seis meses sem convocar o trabalhador. Se por um lado este tem direito a uma representação sindical, o próprio sistema é tão instável que o trabalhador ficará na dúvida se deve ou não fazer parte de uma organização sindical.
-Qual o seu sentimento com relação a esta reforma?
-Um sentimento de completa frustração, porque é a constatação de que os empresários trabalharam em parceria com o Congresso Nacional para jogarem uma bomba nos direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras.
Tudo aquilo que estava na legislação trabalhista, e que podia frear o empresariado, foi cirurgicamente extraído para benefício dos empresários e em detrimento do trabalho digno.
Fonte: rel-uita.org – Em Brasília, Gerardo Iglesias
Na foto: Samuel da Silva Antunes
Fotografia de Gerardo Iglesias