Em uma entrevista concedida a uma emissora de TV norte americana o ator Morgan Freeman foi questionado sobre sua opinião sobre o dia da Consciência Negra. Sua resposta foi contundente: -“Eu odeio o dia da consciência negra”. Ao terminar a entrevista ficou claro que sua posição em relação à comemoração era a de uma pessoa que não deveria estar discutindo a necessidade de existir um dia específico para os negros. Porém, sabendo de todas as dificuldades que ainda se embaralham em torno da questão, uma amiga alertou de que, pelo menos no Brasil, o dia da Consciência Negra é um lembrete de que a luta por direitos igualitários entre todos ainda não é uma realidade.
Este tema se parece muito com as Cotas Sociais. Quando muitos acham que existe igualdade de inteligência entre todos os seres humanos, estes esquecem que a quantidade e qualidade de ensino não são iguais. Pelo contrário, não é uma questão de inteligência e sim de oportunidade que o sistema capitalista insiste que é para todos.
De um jeito ou de outro, gostando ou não do dia da Consciência Negra, 20 de novembro é uma conquista. É uma conquista inegável diante de tantos problemas que a população africana e seus descendentes sofreram. Muitos ainda se questionam porque este dia existe. A resposta é simples. Em sua trajetória histórica os africanos não pediram para serem capturados e vendidos para nenhuma colônia e serem escravizados e explorados à exaustão. Este dia existe por isso.
Os desmandos físicos do passado, que tentaram diminuir a integridade e a identidade dos africanos, hoje são desmandos sociais, econômicos e psicológicos. Este dia existe porque a escravidão acabou, mas a discriminação, o racismo, as injúrias não.
Levantar as inúmeras estatísticas que não nos deixam esquecer todos os dias que os negros não têm acesso de forma justa a tudo o que a sociedade capitalista “igualitariamente” promove, é redundante. Quantas vezes os negros – nós – perdemos empregos, vagas nas faculdades, nas pós-graduações, nas mais variadas esferas onde a imagem vale mais?
Por outro lado, a cultura brasileira teve um ganho imenso quando a mistura cultural de brancos, indígenas e negros ocorreu. É por causa dessa mistura que somos hoje um povo culturalmente riquíssimo. De uma forma muito irônica e quase cruel, devemos nossa forma de ser aos negros e negras, que criaram muitas crianças nas fazendas e nos mocambos. A comida, a forma de tratar os mais velhos, a importância da mãe e da ancestralidade de carregar toda sua identidade nos foi, a nós negros, delegado.
Gostando ou não, querendo ou não, essa herança é duradoura. É através dos costumes do passado, que a História se revela e se reorganiza, para que suas devidas raízes sejam descobertas, estudadas e compreendidas. Nossas escolas precisam incluir definitivamente no currículo o Ensino de História da África e de afrodescendentes no Brasil.
Precisamos reatar os laços que já existem entre os continentes. Os alunos precisariam ter acesso à outras histórias mesmo que a Lei 10639/03 não existisse.
Devemos estudar, porque é preciso, porque queremos, até chegar ao ponto de se transformar em um hábito a atitude de se colocar no lugar do outro. Educação de boa qualidade é aquela que amplia, que discute, que instiga. Este artigo não se trata, porém, da necessidade de retratação sob nenhuma hipótese da História Tradicional. A historiografia, a partir dos anos 2000, passou a contribuir enormemente para uma revisão sobre as ações dos negros no Brasil. Hoje sabemos que além dos abusos físicos e psicológicos sofridos pelos escravos e escravas houve muita luta. Não só os quilombos, que ainda fazem parte da nossa história e que são esquecidos pelos poderes públicos, mas também uma luta silenciosa pela manutenção da cultura, uma luta mais barulhenta pela manutenção da religiosidade e uma luta altamente ruidosa pela conquista da justiça social.
A escravidão não deveria ter acontecido. Mas aconteceu. Nascer em um mundo desigual não é uma opção, mas continuar vivendo nele é.
Lidiane Mariana Silva Gomes é diretora do Sinpro Campinas e Região e professora do Colégio Futura
Fonte: Sinpro Campinas e Região